Equipe finaliza a primeira etapa da pesquisa, realizada em 19 lugares. Próximos destinos são o Distrito Federal e a Bahia.
Mais de três mil quilômetros percorridos e 19 destinos visitados. Assim a Expedição Brasil Gastronômico encerra a primeira etapa. Dede o dia 08 de março, uma equipe de pesquisadores viaja pelo país para conhecer um pouco da cadeia produtiva brasileira. No roteiro, estão cinco estados e o Distrito Federal. Em cada lugar uma experiência gastronômica diferente, novas descobertas e personagens que fazem parte da cultura e da culinária regional.
O primeiro estado visitado pela Expedição foi São Paulo. Foram 13 dias de viagem pela capital e interior paulista, passando por São Paulo, São José do Rio Pardo, Campinas, Paraíbuna, São Luiz do Paraitinga, Pindamonhangaba, Silveira Bananal, Cananeia e Santos. Em seguida, o grupo viajou para o Sul do país rumo ao Paraná, onde a Expedição desvendou o fazer gastronômico de Curitiba, Antonina, Morretes, Paranaguá, Lapa, Guaraqueçaba, Palmeira e Prudentópolis.
A Expedição volta a campo em abril. Os próximos destinos são o Distrito Federal e a Bahia. Em seguida, no mês de junho, o Mato Grosso e o Rio Grande do Sul entram no roteiro. No total, serão mais de 15 mil quilômetros percorridos e 50 localidades visitadas. O resultado será um documentário de 60 minutos, 12 programas de 15 minutos para a internet e um livro. À frente da Expedição está o escritor e comentarista gastronômico Rusty Marcellini.
Em 2012, a Expedição Brasil Gastronômico percorreu 51 destinos em seis estados: Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Amazonas e Rio Grande do Norte, num total de 18.194 quilômetros. Somados ao roteiro deste ano, a equipe terá conhecido a gastronomia dos 12 estados sede da Copa do Mundo de 2014. A intenção é até 2016 completar todos os 26 estados brasileiros e o Distrito Federal.
A Expedição Brasil Gastronômico é uma preparação para a 16ª edição do Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes, que acontece de 23 de agosto a 1º de setembro, com a participação de chefs nacionais e internacionais em uma das cidades mais charmosas do Brasil.
SÃO PAULO
Entre os lugares visitados, a cidade de São José do Rio Pardo foi uma das que chamou mais a atenção da Expedição. O objetivo foi mostrar a influência da cozinha ítalo-caipira: codeguim, couscous, porco caipira e bala delícia. Lá, a equipe foi recebida pelo chef Jefferson Rueda, uma das referências na gastronomia contemporânea e proprietário do restaurante Attimo, eleito a “novidade do ano” pelo Guia 4 Rodas de 2013. Uma bela surpresa foi a presença de seu pai, José Rueda. Juntos, pai e filho mostraram alguns dos produtores responsáveis pelos ingredientes utilizados nas receitas do restaurante e também por manterem vivas algumas tradições regionais. Um dos destaques da culinária local, apresentado por Jefferson Rueda, à produção do codeguim, um tipo de linguiça de consistência mais gelatinosa, trazida pelos italianos e feita com a pele e a carne de porco. Produzido há décadas, o produto é muito comum na infância dos paulistanos, mas que é cada vez mais difícil de ser encontrado.
Também em São José do Rio Pardo, a equipe teve a oportunidade de relembrar momentos doces da infância com a produção das balas de coco de Senhor Guilherme, também conhecidas como balas delícia. A feira dos produtores foi outro lugar escolhido para ser visitado. A equipe teve a oportunidade de conhecer produtos que são inusitados para muita gente: cambuquira, cachi (uma espécie de abóbora), macaúba (o nosso coquinho do mato), pimenta cumari, codeguim, suã de porco, lambari, chouriço. Jefferson Ruenda e seu pai explicaram para o grupo a origem de cada um dos produtos e como eles são utilizados na cozinha.
Na capital do paulista, a equipe da Expedição visitou o restaurante Attimo, onde o chef Jefferson Rueda adaptou itens da cozinha caipira, como a coxinha, a pamonha e o torresmo, para servir como entrada do prato principal. A pamonha, por exemplo, é recheada de codeguim com fonduta de catupiry e mostarda de cremona. Os pratos principais são bastante saborosos e sempre misturam algo da culinária caipira com a gastronomia italiana, como o ravioli surpresa de galinha caipira e quiabo ao molho do assado.
Ainda em São Paulo, capital, a equipe conheceu também os principais Mercados da cidade: Mercado Municipal, Mercado Kinjo Yamato e o Mercado da Lapa. Mas, diferente mesmo foi acompanhar de perto a rotina, pouco comum, do chef Alberto Landgraf, um dos proprietários do restaurante Epice. O ponto de encontro da equipe foi o Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), às duas horas da manhã. Alberto Landgraf explicou como é a comercialização no maior centro de distribuição de pescados do país e mostrou algumas espécies de peixes vendidas no local, como a garoupa, cavalinha, sardinha, atum, cação, entre outros. Logo após, a equipe se dirigiu ao restaurante, onde Alberto Landgraf preparou dois pratos utilizando os peixes comprados, Cavalinha e Garoupa, e que fazem parte do cardápio da casa.
No interior do São Paulo, a equipe da Expedição conheceu algumas das principais cidades como o Vale do Paraiba – Paraibuna, Arapei, São Luiz do Paraitinga, Pindamonhangaba e Silveiras. A região teve grande influência na gastronomia do Brasil, pois foi por ela que passaram os tropeiros em direção a Minas Gerais durante o ciclo do ouro, no século XVII. Pelas quatro cidades foi possível conhecer produtos típicos da região, como a cachaça com cambuci, quirera e taiada - uma rapadura feita com farinha de mandioca e gengibre -, e o pastel de milho, que é um dos símbolos da região, e surgiu por causa da influência dos italianos e da ausência da farinha de trigo no início do século XX. Para lembrar a Fogazza que faziam em sua terra, imigrantes italianos criaram um pastel que substituía a farinha de trigo pela farinha de milho, abundante no local. Outro diferencial deste pastel é o recheio, que é feito com carne temperada e cozida e, somente depois, moída.
PARANÁ
No primeiro dia, a Expedição fez o segundo passeio turístico mais importante, a viagem de trem para a cidade de Morretes, que acontece em uma ferrovia centenária pela Serra do Mar. Chegando ao local, a equipe partiu de carro para a cidade histórica mais importante do litoral paranaese: Paranaguá. Lá, o grupo encontrou com a Dona Norma, proprietária da Casa do Barreado, o prato que é o símbolo do estado. O Barreado é feito com carne de segunda temperada e cozida por mais de 20h em uma panela de barro lacrada com pasta de farinha de mandioca e água. O prato é servido com rodelas de banana, arroz branco e pirão feito com o caldo de cozimento da carne misturado com farinha de mandioca.
A 70 km de Curitiba estava o segundo destino. O anfitrião na cidade foi Rodrigo Lipski, que contou um pouco sobre a história do local (a cidade da Lapa foi o cenário do Cerco da Lapa, uma das batalhas que aconteceram durante a Revolução Federalista, em 1894) e falou da influência dos tropeiros (Séc VXIII e XIX) no desenvolvimento da culinária. No restaurante da família Lipski, a equipe conversou com Dona Rosa Lipski, mãe de Rodrigo, que apresentou e preparou a Quirera Lapeana, outro prato símbolo do Paraná e típico de cidade. Esta receita consiste em milho quebrado, cozido lentamente e temperado com costelinha defumada. Lembra um pouco a Canjiquinha Mineira, mas apresenta a consistência um pouco mais grossa.
Em Curitiba, a equipe conheceu a chef Manu Buffara, eleita a Chef do Ano pela revista Veja – Comer e Beber 2013 e Chef Revelação do Ano em 2012 pelo Guia Quatro Rodas, além de proprietária do Restaurante Manu. A chef Manu Buffara se destaca pela relação muito próxima com os pequenos produtores, principalmente do litoral, e por valorizar os ingredientes da região como, por exemplo, o mini maracujá de Morretes, farinhas de mandioca produzidas em Antonina, pimentões da Mata Atlântica e mel de abelhas silvestres.
Assim como em São Paulo, em Curitiba foi possível perceber a influência italiana. O Paraná, por sua vez, acolheu uma grande leva de imigrantes ucranianos e, com isso, nota-se influência da Ucrânia na culinária do estado. Em diversos locais, por exemplo, é possível encontrar o Hrin, uma raiz forte que é usada como tempero. Já nas feiras de rua, encontra-se o Varenek, pastéis cozidos, recheados de batatas e servidos com nata. Para conhecer de perto a utilização desses ingredientes na culinária, a equipe foi recebida no Barbaran, um bar tipicamente ucraniano, e o proprietário da casa foi quem contou sobre a chegada dos
ucranianos ao Paraná e apresentou pratos típicos como o Borscht - uma sopa de beterrabas com repolho e sementes de endro -, e o tradicional Varenek.
Ainda em Curitiba, o chef Celso Freire, responsável pelo cardápio do restaurante Zea Maïs e um dos chefs mais premiados do Brasil - já ganhou sete vezes o prêmio da Veja Nacional, Chef do Ano pela Revista Quatro Rodas e Melhor da Cidade pela Veja Curitiba – guiou a Expedição pelo Mercado Central. Celso Freire contou que possui uma forte ligação com o lugar, que frequenta desde a infância, e revelou a importância de estabelecer contato com os produtores. Apresentou feirantes e mostrou alguns produtos, além de percorrer os corredores do Mercado para mostrar ingredientes típicos da cozinha paranaense como a Quirera, o Siri Catado e, quando em época, o Pinhão. Já em sua cozinha, o chef preparou para a equipe uma versão diferente da Quirera Lapeana: quirera com cracóvia, um embutido típico de Prudentópolis, cidade de forte influência ucraniana. Celso Freire foi quem criou o Primeiro Festival de Chefs de Curitiba, onde reuniu em um só lugar chefs como Laurent Suaudeau, Giancarlo Bolla, Emmanuel Bassoleil e Luciano Boseggia.
Outro ponto de parada da Expedição foi a cidade de Morretes, a 30 Km do Paranaguá. Morretes e Antonina (cidade vizinha), são conhecidas no Paraná por suas balas de bananas. Lá, encontram-se bananais por todo o canto do litoral paranaense. E, é claro que os moradores das duas cidades souberam tirar proveito disto. Além de comercializarem a fruta, eles optaram por beneficiá-la, transformando-as em balas. Elas são vendidas em todo lugar: padarias, restaurantes, barracas na rua, e até na estação de trem para os turistas que chegam de Curitiba. Em Morretes, a Expedição encontrou com um doceiro que faz balas de bananas artesanais, que contou como aprendeu a fazer a bala de banana e revelou que toda a sua renda provém hoje da venda do doce.
De Morretes, a equipe retornou a Paranaguá, onde encostou às margens da rodovia conversou com um vendedor de frutas na estrada. Ele mostrou frutas pouco conhecidas e à beira da extinção, como o mini maracujá de Morretes, também chamado ou maracujá nativo; a banana figo, semelhante à banana da terra, mas de cor roxa; e a mini banana prata. O mini maracujá de Morretes foi, inclusive, utilizado por Manoella Buffara em uma receita no seu restaurante. Infelizmente, diversas pragas vêm acabando com essas frutas. Alguns produtores estão fazendo um trabalho junto a Emater para evitar o desaparecimento dessas espécies, que são nativas da Mata Atlântica paranaense.
Ainda em Paranaguá, a Expedição encontrou com guia turístico que levou o grupo de barco até a Ilha de Superagui. A ilha é um santuário ecológico, desconhecida pela maioria dos brasileiros. Após 80 minutos de viagem, o grupo chegou a uma pequena comunidade da ilha para encontrar com o Senhor Lopes, que possui um restaurante bem simples e serve para os clientes ostras de mangue feitas na brasa. Vejam só: um churrasco de ostras! E as ostras são catadas na frente de sua casa. Lopes é um nativo da Ilha de Superagui. Ele nasceu e viveu na ilha, isolado do mundo, por toda a sua vida. Com 70 anos de idade, Lopes disse que para fazer as ostras crescerem, ele as cata no mangue, ainda jovens, e as transfere para a baía em frente de sua casa. As ostras ficam em redes, imersas na água, por quase um ano para serem catadas já grandes. Daí, Lopes acende a lenha de sua churrasqueira e “assa” as ostras. Por
fim, os pesquisadores retornaram de barco para Paranaguá de onde seguiu de barco para Guaraqueçaba.
Guaraqueçaba é uma cidade de difícil acesso no litoral paranaense. A equipe demorou cerca de três horas de barco até o destino, que tem uma imensa área de Mata Atlântica preservada. Lá, a Expedição encontrou um meliponicultor, que levou a equipe até um sítio para mostrar as colmeias de abelhas selvagens, também conhecidas como abelhas nativas ou abelhas sem ferrão. No Brasil, todo o mel consumido vem de abelhas europeias. Assim, o mel de abelhas nativas são desconhecidos pela maior parte da população. O mel tem sabor e aroma completamente diferentes do que as pessoas estão acostumadas. Além disso, é possível extrair o mel diretamente da colmeia sem problema algum, pois as abelhas não tem ferrão. O problema é que a legislação brasileira não reconhece o mel de abelhas nativas, e, consequentemente, ele não pode ser comercializado.
Em seguida, a equipe da Expedição conheceu fabricante de cachaça, que faz infusões de cachaça com cataia, uma folha de um arbusto do mangue que só é cultivada nesta região. A folha deixa a cachaça bastante aromática e, dizem, com propriedades medicinais. Por fim, a equipe retornou de barco para Paranaguá, de onde seguiu para Palmeira. No destino, o grupo encontrou com uma filha de holandeses que possuí uma pequena fábrica de biscoitos amanteigados artesanais, a Jonker. Ela revelou como aprendeu o ofício de confeiteira com seu pai e apresentou diversos tipos de biscoitos amanteigados holandeses.
De Palmeira, a equipe partiu rumo a Prudentópolis – cidade com grande influência ucraniana -, onde encerra a primeira etapa da Expedição Brasil Gastronômico. Grande parte dos habitantes de região é descendente de ucranianos. Lá, os pesquisadores encontraram com a Meroslawa Krevey, professora e responsável pelo Museu do Milênio, que abriga um centro de estudos da cultura ucraniana no Paraná. Ela contou como aconteceu a imigração ucraniana, falou da forte influência dessa cultura na gastronomia local e apresentou a Pêssanka, um ovo pintado à mão que faz parte do artesanato ucraniano.