No espetáculo de estreia, os poetas paulistas Claudio Willer e Roberto Bicelli, ícones da geração beat no Brasil, fazem participação especial interpretando a si próprios.
A Poesia Feita Espuma é a segunda parte do espetáculo São Paulo Surrealista, da Cia. Teatro do Incêndio, que cumpriu temporada de março a agosto, na casa noturna Madame. A montagem, sob direção de Marcelo Marcus Fonseca, estreia dia 17 de agosto, sexta-feira, no mesmo espaço, às 21 horas. A montagem, amparada pela estética do Surrealismo, nesta edição viaja pelo submundo paulista pela ótica poética do poeta paulista Roberto Piva.
A primeira parte do projeto apresentava um mergulho no Inferno de Dante Alighieri, mostrando a capital paulista inserida nos nove círculos da Divina Comédia, observada por Pagu e André Breton. Em São Paulo Surrealista 2: A Poesia Feita Espuma, a saga surrealista sobre a cidade prossegue, agora pelo purgatório e a caminho do céu. Apesar de se tratar de uma continuação, as peças podem ser vistas como espetáculos independentes, sem que um necessite do outro para o acompanhamento do espectador.
Segundo o diretor Marcelo Marcus Fonseca, os diálogos são baseados em depoimentos de pessoas que conviveram com Roberto Piva e na sua própria experiência ao lado dele, pois mantiveram anos de amizade. “São Paulo Surrealista 2: A Poesia Feita Espuma é um espetáculo regado pelo humor dos absurdos religiosos e pela poesia seca do submundo da capital. Tudo em um universo onírico que retrata uma cidade possível de ser vista a olhos nus, somente pela visão mística e/ou mítica de suas esquinas e cidadãos.” Argumenta o diretor.
O projeto foi contemplado com a 18ª edição da Lei de Fomento ao Teatro. A segunda parte da peça é um passo evolutivo na pesquisa do grupo que conta com a curadoria de Claudio Willer (também transformado em personagem no espetáculo).
O enredo
No início do enredo, Fernando Pessoa chega à capital paulista trazido pelo mar, sendo recebido por Beatriz, musa irreal e amada de Dante. Ela reflete sobre o cidadão mecânico, que gesticula por obrigação e anuncia o teatro como salvação: neste momento uma peça do espanhol Salvador Dalí, inédita no Brasil, é representada dentro da própria encenação sob direção do mestre da pintura do surrealismo.
Dante surge à procura de Beatriz. Ela está pregada em um quadro, mas se desprende para seguir com ele os caminhos que levam ao paraíso. Nessa trajetória invocam, do fogo, o poeta Roberto Piva e com ele parte da geração beat paulista, além do americano Allen Ginsberg. Piva tem seu tão sonhado encontro com Dante e Beatriz, envolve-se com a cidade de rap, com chacina de adolescentes e com muitas prostitutas (inclusive Neusa Sueli, personagem de Plínio Marcos). O poeta vive a deformação poética de cada rua em que passa.
A caminho do céu, depois de perder de vista Dante e Beatriz, Roberto Piva vê o alinhamento dos planetas, anunciando o fim do mundo. Ele chega às portas do Paraíso onde é recebido por São Bernardo, Santo André e São Caetano, enquanto Deus dorme entediado: uma figura surpreendente, a partir da descoberta recente de “sua partícula” (quase impossível de se achar). Roberto Piva – embriagado de fogo paulista - trava um diálogo com Deus sobre a cidade. E lixo invade a cena como um temporal. Garis montam suas esculturas com os restos deixados pelos cidadãos, anunciando o fim do mundo.
Ficha técnica
Peça: “São Paulo Surrealista – Segunda Parte: A Poesia Feita Espuma”
Roteiro e direção geral: Marcelo Marcus Fonseca
Direção Musical: Wanderley Martins
Iluminação: Rodrigo Alves
Curadoria poética e suporte teórico: Claudio Willer
Supervisão de figurinos: Liz Reis
Espaço Cênico: Sérgio Ricardo e Marcelo Marcus Fonseca
Assistência de direção: Paula Micchi
Debatedor de ensaios: Paulo Sposati Ortiz
Fotos: Bob Sousa
Arte gráfica: Giuliano Henrique
Composições originais: Wanderley Martins e Marcelo Marcus Fonseca
Projeções: Vinícius Gusman
Produção e realização: Cia. Teatro do Incêndio
Apoio: Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo
Elenco: João Sant’Ana, Wanderley Martins, Marcelo Marcus Fonseca, Sergio Ricardo, Giulia Lancellotti, David Guimarães, Sonia Molfi, Tássia Melo, Camila Araujo, Tais Luna, Lillian Almeida, Yasmine Colucci, Laís Thales, Vinícius Gusman, Barbara de Almeida, Pedro Casali, Diego Freire, Bárbara Santos, Talita Righini, Antonio Motta , André Candal ,Vinicius Pimentel, Cláudia Motta, Beatriz Malagueta, Mayara Stefane, Pricila Lima, Caroline Marques.
Serviço
Local: Madame - www.madameclub.com.br
Rua Conselheiro Ramalho, 873 - Bela Vista/SP - Tel: (11) 2592-4474
Temporada: 17 de agosto a 15 de dezembro
Ingressos: R$ 30,00 (meia: R$ 15,00), o ingresso dá direito à balada após sessão.
Bilheteria: 1h antes da sessão - Aceita somente dinheiro.
Gênero: Surrealismo - Duração: 70 min. - Classificação etária: 18 anos - 120 lugares Ar condicionado - Acesso universal - Estacionamento (R. Cons. Ramalho, 853): R$ 20,00.
Roberto Piva
A trajetória de Roberto Piva (1937-2010) parece se confundir, por vezes, com a da própria cidade de São Paulo. Figurando-a como um lugar onde o insólito divide espaço com o caos, a poesia de Piva revela, na rotina agitada da metrópole, um mundo de abismos, delírios e vicissitudes. Seu primeiro livro, Paranóia (1963), transformou decisivamente o panorama da poesia brasileira contemporânea e, ainda hoje, o poeta nos surpreende com a vitalidade de sua poesia. Piva foi poeta ligado aos marginais dos anos 60, esteve na Antologia dos Novíssimos de Massao Ohno (1961) e em 26 Poetas Hoje, de Heloisa Buarque de Holanda. Foi professor na rede de ensino público, produtor de shows de rock e é um dos três únicos poetas brasileiros a ser citado no Dicionário Geral do Surrealismo, publicado na França.
São Paulo Surrealista 2: A Poesia Feita Espuma
Por Marcelo Marcus Fonseca
Os poetas estão doentes. A população foi amansada na cidade onde nada mais é permitido. Só existe uma possibilidade de reparo: a palavra poética. A cidade que pariu e sufocou o poeta Roberto Piva treme com mais um ano eleitoral, como se isso importasse. Apelamos para a nova partícula descoberta e mandamos o Piva conversar com Deus, mas ele estava bêbado e tocando banjo.
Em virtude desses acontecimentos, nos manifestamos solicitando:
1 - A imediata transformação do Marco Zero e dos Shopping Centers em termas de livre acesso, pela localização estrategicamente privilegiada e espaço suficiente para receber jovens em idade de curiosidade.
2 - Jaulas para os fiéis que praticam homofobia caridosa.
3 - Reflorestamento do Memorial da América Latina.
4 - Adoção da obra de Rimbaud nas escolas para adolescentes em idade de identificação com a rebeldia e feijoada na merenda.
5 - Caixas de som tocando Villa-Lobos na Avenida Paulista.
6 - Livros de poesia Beat ao lado de microfones a cada dois quarteirões, para que o cidadão possa parar e ler em voz alta durante seu trajeto.
7 - Atualização periódica do "Necrológio" de poetas e artistas inteligentes.
8 - Teatro-Samba.
9 - Taças de vinho distribuídas gratuitamente nos escritórios e agencias bancárias.
Essas, entre outras solicitações que o espectador pode sugerir, contribuindo para que a vida recupere sua vocação sensual e lírica, são nossas propostas para cada apresentação de São Paulo Surrelista 2: A Poesia Feita Espuma, onde homenageamos a cidade eternamente escondida pela hipocrisia e pelas leis corroedoras da felicidade. A segunda parte dessa produção que surgiu a partir do projeto aprovado pela Lei de Fomento ao Teatro, agrega jovens atores à Cia. Teatro do Incêndio, abrindo portas para sua manifestação artística, formação técnica e aquisição de referências literárias e estéticas em geral. É ai nda um reencontro com personalidades marcantes de São Paulo e também com toda espécie de cidadão, bicho e flor que nasce no asfalto incandescente da metrópole de todas as possibilidades.
Provocamos para que sejamos provocados. Nada será possível enquanto nos contentarmos com a noite de sono e o medo contínuo que vende remédios para dopar a promiscuidade filosófica e tolerância às ideologias e utopias que podem ser compradas por quilo na feira do comportamento adequado ou inadequado. Mortos e vivos caminham lado a lado em cena construindo a mística da capital surrealista do Brasil. O espetáculo é um ritual e, portanto, não está sujeito às ações proibitivas da lógica ou da moral. Convidamos a todos para celebrar, com os olhos voltados para as divindades desse lugar que sustenta o céu com suas colunas de edifícios